Sprint final nas eleições dos EUA

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Isso que os canais estão divergindo nos números ainda. Quando fechar em números finais mesmo, é capaz de serem quase 100 delegados de vantagem.
 
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Para quem quiser entender mais do porque eles manterem o atual sistema eleitoral:

Em 2016, Hillary Clinton venceu as eleições no voto popular, mas perdeu no Colégio Eleitoral. A cada quatro anos, muitos americanos questionam o seu arcano sistema eleitoral, criado na Constituição em 1787, especialmente porque já são cinco as vezes em que houve descompasso entre voto direto e indireto, sendo que a anterior havia sido em 2000, na derrota de Al Gore para Bush filho.

Os seguidores do Partido Democrata, em particular, têm sido os maiores prejudicados e muitos propõem mudanças na Constituição por meio de uma Emenda. Aqui no Brasil, não são poucos os que acreditam que este sistema americano de eleições indiretas é muito pior que o nosso, no qual o presidente é eleito diretamente pelos eleitores, mediante maioria simples.
O sistema dos EUA é democrático dentro da lógica federativa que governa aquele país há mais de duzentos anos. E, justamente por isso, não há como se comparar o sistema eleitoral americano com o brasileiro, porque a nossa organização constitucional é completamente distinta, no particular. Não é possível dizer qual é “melhor” ou “pior”, pois a resposta só pode ser encontrada dentro de cada realidade cultural e política.

Mas qual é a lógica, afinal, das eleições indiretas por um colégio eleitoral? Somente podemos entender isso com uma brevíssima visita ao passado dos EUA. Após conquistar a independência da Inglaterra em 1776, as antigas Treze Colônias viveram por dez anos como Estados independentes em uma confederação frouxa e isto vinha se mostrando desastroso do ponto de vista político, econômico e militar. As elites destes Estados se reuniram na Filadélfia, no verão de 1787, para consertar aquele estado de coisas e decidiram adotar um governo centralizado e paralelo aos governos estaduais; esperavam, assim, por fim à confusão reinante.

Esta decisão resultou em uma Constituição. Portanto, a adoção de um documento constitucional, foi, ao mesmo tempo, o ato político de fundação dos Estados Unidos da America.

Esse processo ocorreu em duas etapas e nenhuma delas foi submetida a um “voto nacional”. Na Convenção da Filadélfia, em 1787, cada Estado enviou uma delegação não eleita; o número de membros de cada delegação não era o mesmo, porém cada uma delas tinha somente um voto. E na Convenção ficou decidido que a União seria formada se houvesse uma maioria favorável em cada eleitorado de pelo menos oito estados.

Isto significou que, em tese, a União poderia ter sido formada mesmo sem o voto majoritário popular, caso maiorias dos estados mais populosos como Nova Iorque, Virginia e Pensilvannya rejeitassem o projeto de constituição e superassem em número de votos populares os eleitores dos demais estados favoráveis, porém menos numerosos em população (é claro que se estes estados relevantes tivessem rejeitado a Constituição, dificilmente os demais estados menores teriam tido força política e econômica para levar um projeto desta envergadura adiante).

Assim, a Constituição foi submetida à ratificação, em cada estado, em processos eleitorais independentes uns dos outros, em datas distintas. E, como se sabe, todos os estados acabaram aprovando a Constituição e a formação do governo federal dos EUA, apesar da recalcitrância da Carolina do Norte e de Rhode Island, que acabaram aderindo a posteriori.


Esta decisão de formar os Estados Unidos (e, por conseguinte, um governo federal) não foi facilmente aprovada, nem na Convenção da Filadélfia, nem nas convenções estaduais. Os estados mais fracos tinham medo de ser dominados pelos mais ricos, temor que era maior no sul. Georgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Virginia, Maryland e Delaware eram mais atrasados economicamente e dependiam da escravidão para manter sua economia.

A tendência natural era a de que os Estados do norte acabassem concentrando o poder federal e, possivelmente, viessem a abolir a escravidão (o que viria a ocorrer setenta e seis anos mais tarde). Porém, os sulistas tinham uma vantagem: Thomas Jefferson, George Washington e James Madison, três dos cinco mais influentes “founding fathers” eram da Virginia e Maryland, estados que tinham um peso político enorme na Convenção da Filadélfia (os outros grandes líderes eram Alexander Hamilton, nascido nas Antilhas, mas novaiorquino por adoção e John Adams de Massachusetts).

Aliás, a própria ideia da Convenção da Filadelfia nasceu numa negociação entre os estados sulistas da Virginia e de Maryland sobre os direitos de navegação no Rio Potomac. Assim, a questão do poder dos estados na federação era sensível para as principais lideranças. Os Estados Unidos foram portanto criados pelo voto unitário de cada um dos estados presentes na Filadélfia.

E a Constituição foi submetida à ratificação em cada um dos estados separadamente (isto é, não houve uma eleição geral, foram contados os votos pró e contra em cada um dos estados, em datas diferentes, e considerou-se que a constituição foi aprovada pela somatória de cada estado em que ela foi aprovada).

Portanto, desde o seu nascimento, a lógica da democracia americana é esta: para tomar decisões “nacionais” contam-se os votos dentro de cada estado, e somam-se os votos dos estados individualmente considerados.

É claro que os founding fathers sabiam que não seria justo, no correr do tempo, que cada estado sempre contasse com um voto. Já então havia grandes discrepâncias entre as populações. Era necessário dar um “peso” para cada um, mas também encontrar uma fórmula para evitar que os mais populosos acabassem sendo o fiel da balança.

A solução constitucional foi simples: a população desigualmente distribuída seria considerada na sua proporcionalidade para a Câmara de Representantes, mas haveria um “fator de correção” no Senado, de composição paritária, com dois senadores por Estado. E o colégio eleitoral que escolheria o presidente teria delegados em número equivalente à soma de deputados e senadores de cada estado.

Assim, nas eleições para a presidência, todos teriam um número mínimo de delegados (na prática três, pois além dos dois senadores, cada estado tem direito a ter pelo menos um deputado), o que aumentava o peso relativo dos estados pequenos, como Rhode Island e Vermont.

Por isto, há este aparente desequilíbrio hoje: na Califórnia com 39 milhões de habitantes, são necessários 677 mil eleitores para escolher um delegado, enquanto que apenas 209 mil elegem um mesmo delegado em Vermont, com população de 630 mil habitantes.

A preocupação com o equilíbrio da representação era tamanha que um dispositivo constitucional determinou que a população escrava contaria para fins de definir a distribuição de vagas na Câmara dos Representantes na proporção de 3/5, embora os escravos, evidentemente, não votassem… Esse compromisso aconteceu, é claro, para acomodar os interesses dos estados sulistas.

Havia, é certo também, um elemento elitista no sistema eleitoral criado na Filadélfia, pois os convencionais (os homens mais ricos do país) temiam dar poder demais ao populacho nas eleições (e a participação de eleitores pobres era muito alta desde o início da república): a experiência com a democracia radical logo após a Revolução Americana nos trezes estados independentes havia sido muito ruim, devido a excessos cometidos por assembleias populares demagógicas e governantes populistas, que chegaram a provocar inclusive rebeliões e tumultos com suas decisões bizarras (por exemplo, cancelamento geral de dívidas).

Os fundadores dos EUA também entendiam que a democracia, embora fosse o sistema mais igualitário, não era, por este simples fato, necessariamente o mais justo ou eficiente. Eles estavam mais interessados em assegurar o funcionamento de uma República do que o de uma democracia.

Havia uma forte influência do pensamento clássico grego na formação filosófica dos Founding Fathers, especialmente dos pensadores que aproximavam a democracia da anarquia. A expressão “democracia” sequer aparece na Constituição dos EUA e nos “Artigos Federalistas”, escritos por Hamilton, Madison e Jay, o termo assume quase sempre uma conotação pejorativa.

Por isso, imaginava-se que a escolha de delegados e a formação de um colégio eleitoral seleto, por pessoas de maior educação, experiência e prudência, pudesse evitar que aventureiros tomassem o poder pelo apelo direto às massas. E de certa forma isto tem funcionado também nos Estados Unidos (bem, pelo menos até Trump…).

A despeito de várias e pertinentes críticas, como a de Robert Dahl em “How Democratic is the American Constitution”, o engenhoso sistema concebido pelos sábios da Filadélfia, embora para alguns pareça anacrônico, tem-se mostrado eficiente e funcional para cumprir o seu principal objetivo: manter a coesão da federação (o que não é algo trivial, pois os Estados Unidos enfrentaram uma terrível guerra de secessão, cuja feridas ainda não foram completamente cicatrizadas, como se vê da polêmica sobre o uso da bandeira dos confederados e da remoção de monumentos aos líderes secessionistas).

Além disto, o colégio eleitoral também acaba sendo um elemento de conciliação de diferenças regionais e culturais, quando o eleitorado está extremamente dividido e polarizado, como ocorre nos últimos anos.

Uma eleição nacional que é decidida por margem extremamente estreita significa que o vencedor ganhou por um mero acaso numérico do destino (isto é, a eleição pode ter sido decidida por fatores aleatórios à competição política, como ter chovido muito em determinadas áreas, fato ocorrido, por exemplo, no plebiscito na votação do Brexit).

Será, portanto, justo que uma eleição onde votam tantos milhões seja decidida por poucos milhares de votos? Uma eleição decidida por um fator de 0,2% não é muito diferente do que confiar o destino do país a um cara e coroa.

Assim, diante do que na verdade é um empate técnico (no sentido de que o vencedor não representa uma maioria claramente distinguível, pois não tem o apoio virtual da outra metade do eleitorado), é razoável que se pondere um segundo elemento, decidindo-se em favor daquele que tem apoio considerável dos Estados que integram a União. No caso da última eleição, o vencedor teve apoio de 3/5 dos estados, o que é uma maioria muito consistente neste aspecto.

A pergunta que muitos americanos que defendem o sistema fazem é: será justo que um presidente escolhido por apenas vinte estados governe sobre os outros trinta estados? É por isso que há um “fator corretivo”, que é bem razoável à vista da história da formação dos EUA e do tipo de federação lá existente.

É essa a lógica que explica, ainda, a adoção do princípio “the winner takes all”, ou seja, o candidato vitorioso em cada Estado leva todos os delegados daquela unidade federativa para o Colégio Eleitoral.

Esses delegados estaduais, uma vez designados, não podem votar no candidato derrotado nos seus respectivos Estados (princípio que foi afirmado nesse ano pela Suprema Corte no caso Chifaldo, proibindo definitivamente os faithless electors). Apenas dois Estados, Maine e Nebraska, por força de leis estaduais próprias, autorizam a representação proporcional de delegados na convenção nacional.

Os defensores sinceros do colégio eleitoral nos EUA não querem que os grandes eleitorados dos estados mais ricos (essencialmente da California, Nova Iorque, Texas, Ohio e Florida) decidam os destinos da nação (e, sobretudo, dos estados mais pobres) pelo simples fato de que eles são populosos.

Significa também, na prática, que os candidatos devem se dirigir “a todo o país” e não apenas à parte mais populosa, urbana e rica (e Hillary Clinton, em 2016, falhou de forma lamentável neste aspecto). Este é um elemento democrático pouco percebido nos EUA: a valorização das minorias regionais no processo eleitoral.

A despeito de sua funcionalidade, muitos querem mudar as regras de escolha do presidente, o que é altamente improvável de acontecer em um cenário próximo. Nos Estados Unidos, este sistema eleitoral está previsto na Constituição e uma Emenda teria que ser aprovada por 2/3 do Congresso e 3/4 dos Estados.

Dificilmente o Partido Republicano favoreceria esta iniciativa, pois vem conseguindo vocalizar no colégio eleitoral as ansiedades da “América Profunda”, tendo sido beneficiado recentemente duas vezes pelo sistema. E sem a concordância conjunta dos dois grandes partidos, é impossível aprovar uma emenda constitucional. Ainda que superado este obstáculo, os estados menos populosos e mais fracos dificilmente aceitariam esta mudança, por motivos óbvios.
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-ana...egio-eleitoral-nos-eua-e-democratica-27072020
Olha, li tudo com muito interesse e entusiasmo.
Em que pese algumas opiniões pessoais, às quais discordo, entendo que esse foi um dos textos mais lúcidos que li até agora sobre a situação eleitoral na América do Norte.
Tenho muito respeito por quem tem interesse em propor um debate honesto e bem embasado, longe da atual gritaria que domina os pólos políticos mais extremos.
Gostaria muito de debater, parágrafo por parágrafo, as ideias colocadas nesse texto.
Por ora, me atenho a celebrar a iniciativa do amigo @henriquevascain , extremamente feliz e esclarecedora.
Parabéns, amigo!
 
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fblipe

?️‍??
Março 15, 2015
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Curitiba
Isso que os canais estão divergindo nos números ainda. Quando fechar em números finais mesmo, é capaz de serem quase 100 delegados de vantagem.
A projeção é 306/232 se não me engano. Basicamente dos 5 estados que estavam indefinidos o Trump deve ficar só com a Carolina do Norte mesmo. A virada na Georgia acabou sendo surpreendente até para os Democratas, acho.
 
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