Adeus, Iwata (ou: Como nós, o público, nos tornamos fãs de um CEO)
Eram 9 e pouca da noite quando abri o Twitter para fazer alguma piada boba. Fiz, e logo em seguida vi o primeiro tweet da timeline comentando que o Iwata – Satoru Iwata, presidente da Nintendo – havia falecido. Veio um baque. Fiz o que a gente sempre faz no momento que lê um tweet desses: desce o resto da timeline pra checar se é verdade ou se era só alguém falando bobagem. Desci e todo mundo estava falando a mesma coisa. É, era verdade.
Iwata morreu jovem, aos 55 anos. O falecimento havia ocorrido no sábado, mas só foi divulgado em um comunicado oficial da Nintendo japonesa no início da segunda-feira deles, domingo à noite daqui. Só o fato de que em plena era de Twitter nós não soubemos da notícia por mais de 24 horas após ela ter acontecido já parecia algo surreal – e mostrava a grande diferença entre a nossa forma de descobrir e noticiar as coisas e o esquema mais tradicional, respeitoso ou mesmo rígido (para nós) dos costumes orientais.
Oriental, principalmente, é o que tanto caracteriza a Nintendo: uma empresa cujos padrões de qualidade sempre foram extremamente estimados e todo o modelo de produção e desenvolvimento seguia à risca o que direcionavam aqueles que a lideravam. Enquanto Hiroshi Yamauchi fez questão de manter os cartuchos quando todos migravam para os CDs, uma decisão firme e teimosa que até hoje influencia o relacionamento da empresa com as third parties, Satoru Iwata buscou estratégias de “correr por fora” para reconquistar o relacionamento com as outras empresas e principalmente com o público. Ideias de jogos inovadores, esquemas de controle diferenciados, conceitos de hardware arriscados que seguiam contra a maré: decisões ousadas como essa trouxeram sucessos como o Wii e o Nintendo DS, que usavam tecnologias específicas tempos antes destas se tornarem lugar-comum.
Quando recebi a notícia do falecimento dele tive a vontade imediata de escrever a notícia, mas não pude, pois não estava em minha casa e só tinha internet no celular.
Falei imediatamente com o Tuba, que fez o texto relatando a notícia. Lógico que a notícia sairia mesmo que eu não tivesse vindo falar com ele – talvez o meu afobamento em garantir que o site cobrisse o fato vir justamente por sentir que, durante todos esses anos, esse seria um acontecimento que de fato constituiria uma notícia jornalística, e pela primeira vez me senti “obrigado” a informar aos outros uma informação verdadeiramente importante em nosso meio. Algo impactante e inesperado, que muda o presente e o futuro de uma das maiores empresas do meio que a gente fala aqui no site. Algo que definitivamente não poderíamos deixar passar em branco. (ou talvez eu só tenha assistido muito
The Newsroom, sei lá)
A forma que o Iwata e a Nintendo optaram durante esses anos em se comunicar com o público tem um quê de mais íntimo que o PR típico da galera de marketing: através de especiais como o Iwata Asks e o Nintendo Direct, a empresa colocava os seus próprios CEOs no holofote como produtores e apresentadores do conteúdo que desejavam distribuir. De um modo contraditório e meio inesperado, através das apresentações de E3 e piadas internas, os chefões das empresas foram se tornando celebridades dentre os fãs e sua forma de comunicar com o público reflete isso. De grandes empresários em ternos, eles foram acolhidos pela comunidade como ídolos, chegando a virar personagens e a própria face da Nintendo. Afinal, quem imaginaria dez anos atrás que em 2015 nós teríamos um show de fantoches estrelando os presidentes e grandes criadores da empresa?
Então talvez seja por isso que a notícia da morte de uma das figuras mais famosas da indústria venha como um choque para todos nós, e traz um quê de solidariedade coletiva na forma que compartilhamos nossos pensamentos: ele era um ícone famoso em um mercado que não tem qualquer costume em tratar de ícones famosos. O mercado de jogos nunca foi um de idealizar os seus criadores como superstars. Através de apresentações de E3 e pronunciamentos à internet, do nada os CEOs Talvez isso que tenha feito as pessoas reagirem à notícia não com fanatismo, mas com respeito, não só pelo indivíduo mas pelo trabalho que ele foi responsável.
A primeiríssima coisa que me veio à mente quando li a notícia é que Satoru Iwata foi o principal programador em EarthBound (não podia ser diferente, né), e basicamente salvou o jogo de um “development hell” quase sozinho. Algo sobre a perspectiva semi-isométrica do jogo, que supostamente dificultou em anos o processo de desenvolvimento e foi solucionado graças a ele. De um modo, ele era uma pessoa em um projeto; mas foi uma das pessoas mais importantes do projeto, e ninguém sabe exatamente o que teria acontecido com o jogo se não fosse por ele. Então meu primeiro pensamento foi “Cacete, esse cara foi responsável pela realização de uma das minhas obras favoritas”. E isso me pegou de uma forma pessoal.
Foi um sentimento surreal pois eu não tenho tanto costume de seguir famosos ou sentir que eles fazem parte diretamente da minha vida, mas tenho real apreço por determinados criadores. Querendo ou não, eu acompanhei os últimos dez, doze anos da carreira do Iwata e, atento ou não, eu vi as mudanças acontecerem na minha frente. Imaginar que daqui pra frente muita coisa pode mudar é uma sensação estranha. Talvez tão estranha porque vai afetar um hobby que eu acompanho, e compreendo, e gosto. E é algo que a gente, nessa mídia ausente de “rock stars”, ainda não tem tanto costume de presenciar. Mas é algo que aconteceu, acontece e vai voltar a acontecer no futuro.
Pelo resto da noite, as outras conquistas do cara não foram ignoradas: de ter começado na Hal e ser programador a se tornar presidente da companhia – e o primeiro presidente que não tinha qualquer relação familiar com a linhagem de presidentes anteriores, ainda por cima. De um modo, as filosofias de mercado do Iwata moldaram muito da Nintendo como a conhecemos hoje, e é provável que a Nintendo de amanhã, tradicional como ainda é em suas metodologias, seja de algum modo diferente.
Se algo, talvez eu fico feliz em ver que todas as expressões que sentimento que vi quanto à perda foram de respeito, e não de fanatismo. Mesmo com todas as aproximações, não o conhecíamos como pessoa, mas o conhecíamos como um excelente programador e diretor da Nintendo. E, mesmo com as inegáveis ressalvas, reconhecíamos e respeitávamos e seu trabalho. Não sei dizer como ele – ou qualquer pessoa que fosse – gostaria de ser lembrado ao partir. Mas imagino que ser lembrado por suas conquistas e suas realizações é um modo bem honrável de se lembrar – e, sem dúvidas, um modo bem japonês.
Dessa vez somos nós que nos curvamos e agradecemos. Descanse em paz, Sr. Satoru Iwata.
http://www.gamesfoda.net/2015/07/adeus-iwata-ou-como-nos-o-publico-nos-tornamos-fas-de-um-ceo/