Reinicializar franquias tem sido uma tendência de sucesso nessa geração. Já dediquei inclusive um artigo a esse respeito. Devil May Cry, Mortal Kombat, são ótimos exemplos para demonstrar como franquias que vinham se tornando repetitiva e sem inspiração podem melhorar se resolvem reinicializar sua história e conteúdo.
Tomb Raider acaba de se unir a esse time de experiência de reinicialização bem feita. Aliás, pode ser o melhor de todos os exemplos.
Tomb Raider é um ícone na história dos jogos. Um jogo que, ao lado de Prince of Persia, definiu os critérios e as exigências do que se espera de um bom jogo de aventura.
Uma personagem carismática (ainda que apelando em vários títulos para a sensualidade), quebra-cabeças desafiadores, mecânica de jogo, posicionamento e ângulo de câmera, foram apenas alguns, dos vários elementos que Lara Croft trouxe ao gênero nos seus primeiros títulos.
Mas a franquia vinha claudicante. Para cada título razoável lançado sob o selo Tomb Raider, havia pelo menos dois abaixo da crítica. O último, Tomb Raider Underwold (descontando-se, assim, Lara Croft and the Guardian of Light, que segue outro modelo), era um jogo de várias qualidades, mais ainda se tivesse sido lançado no início dessa geração. Mas em um gênero que passou a ter e exigir um nível completamente diferente de qualidade desde Uncharted, simplesmente não servia de competição.
Com o novo título, denominado simplesmente de Tomb Raider, tudo isso muda.
Primeiro no aspecto técnico e estético. O novo jogo rompe com a tradição relativamente cartunesca que ainda imperava nos títulos anteriores, em favor de texturas que confiram maior realismo e fidedignidade ao ambiente. Em segundo lugar, aposta alto em um ótimo trabalho de voz dos atores que interpretam os personagens. Em terceiro lugar, souberam ao mesmo tempo conciliar e explorar ao máximo as limitações de reprodução gráfica dos atuais consoles, e também permitir, na versão para PC, que o jogo pudesse reproduzir uma qualidade gráfica superior, conforme o hardware disponível.
Mas não é apenas a beleza estética que merece aplausos. Também a dinâmica de jogo. Ainda que mais simples e de fácil resolução comparado a títulos do passado, o novo jogo consegue conciliar de forma ainda melhor do que Uncharted um equilíbrio entre momentos de ação e tiroteio, exploração e resolução de problemas.
A câmera de jogo também merece aplausos pela sua utilização bastante variada. O jogo na maioria das vezes consegue encontrar com perfeição o melhor posicionamento da câmera para que o jogador possa visualizar a ação se desencadeando, e, quando não dá liberdade para o jogador movimentá-la a seu prazer, sabe utilizar zooms, tomadas laterais e panorâmicas de acordo com o momento apropriado de jogo. Além disso, e seguindo a tendência cinemática que Uncharted trouxe ao gênero, o jogo também apresenta muitos métodos de manuseio da câmera similares ao do cinema contemporâneo, com a câmera balançando em momentos de maior ação, e até tremendo quando Lara treme de frio.
Mas talvez o maior avanço do jogo tenha sido a muito bem feita transição entre o antigo modelo de jogos de aventura, que de certa maneira ainda está presente no concorrente direto de Tomb Raider, Uncharted, que é precisamente a abordagem “encantada” da aventura. Com efeito, ignorados os tiroteios eventuais e as cenas de combate, os jogos de ação do gênero tendiam a dar uma aura de glamour para toda a exploração. O aventureiro é bonachão, os lugares visitados são lindos e paradisíacos e nenhum obstáculo ou dificuldade que apareçam afetam a determinação do personagem.
Agora não. O jogador sofre com a personagem desde o começo. Lara tem dificuldades naturais de qualquer ser humano para explorar os ambientes hostis que se apresentam para ela. Nada é elaborado ou complexo, tudo que se enfrenta é rudimentar, mau conservado, caindo aos pedaços. A beleza estética das ruínas exploradas está lá, mas não é mais aquele lugar estranhamente conservado, limpo, belo, quase surreal de outros jogos. É sujo, escuro e eminentemente perigoso. Não por conta de armadilhas ou de mecanismos estranhamente avançados para ruínas antigas, mas pelo simples risco natural que explorar florestas, cavernas e antigas construções destroçadas apresentada para qualquer pessoa que se aventurasse em algo parecido.
É claro, ainda estamos falando de uma heroína de jogo de videogame. É claro que isso não significa que a personagem seja absolutamente incapaz de realizar façanhas virtualmente impossíveis para qualquer ser humano. Mas mesmo as ocasiões em que isso ocorre são apresentadas em momento de risco e perigo bem integrados às circunstâncias de jogo.
A soma da excelente utilização de câmeras, o equilíbrio entre os momentos de ação, exploração e aventura e ainda a abordagem mais séria, adulta e verossímil sem dúvida alguma servirão de marco para futuros jogos dentro do mesmo gênero.
Isso não quer dizer, é claro, que o jogo seja perfeito. Ele tenta vender a imagem de um universo aberto, mas não consegue disfarçar a linearidade da maioria de suas cenas de ação. Os quebra-cabeças que o jogador precisa resolver estão muito mais simples do que qualquer outro jogo da franquia, e a utilização da ferramenta de “instinto de sobrevivência”, que destaca os pontos de interesse no cenário (no mesmo estilo de Batman: Arkham Asylum) facilitam ainda mais o que já era relativamente simples. Mesmo em níveis maiores de dificuldade as cenas de combate não chegam a desafiar o jogador e, também aqui, o jogo tenta sem muito sucesso disfarçar o fato de que o comportamento da IA é bastante roteirizado.
As deficiências acima, contudo, não obscurecem as qualidades anteriormente apontadas, mas apenas faz com que esse jogo, um dos melhores em seu gênero, não seja um dos melhores de toda a geração. Ainda assim, uma produção da qualidade que uma personagem como Lara Croft pode, e deve, sempre exigir.
Vamos torcer que os futuros títulos da franquia sigam essa tendência vencedora. Lara merece.